segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Méier.

Nas manhãs de domingo, ele já de banho tomado e recuperado da noite anterior, me dava as mãos e me levava para ver o amanhecer cor de laranja, o cheiro das flores de flamboyant e o sorriso das crianças quando colocadas para cima da gangorra. Aproveitava os balões no céu, para me ensinar um pouco da história dos nossos "santos protetores" estampados em coisas que mais pareciam flâmulas gigantes. Mostrava-me o sol reluzindo, um espetáculo. No caminho de nossas visões para o alto ele fazia questão de não me mostrar os emaranhados de fios, mas eu gostava, achava uma obra de arte, cujo autor era o descaso. Mas como sabia que não era do seu agrado, não comentava nada. Hoje eu entendo porque ele fingia desprezo por aquilo – era a maneira que ele conseguia agradar artistas, cineastas, fotógrafos, que captariam aquela imagem, falsamente desprezada por ele, para assumirem a sua autoria.
O fim da manhã ia surgindo, com ele o frio na barriga, de saber que naquele dia o meu time jogaria no Maracanã. Como um grande pai, ele percebia minha ansiedade e para amenizar, reunia todos os meus amigos e jogava uma bola de borracha entre nós. Assim, não tinha ansiedade que conseguisse sobreviver àquele momento, a bola rolando como nossa felicidade, sorrisos e suor era o que podia se ver em cada um daqueles moleques. O árbitro que apitava o final do jogo era a fome e, neste final, ele exigia q não tivesse vencedor, pois só assim ele continuaria a emprestar o espaço e a bola para mais "peladas" nos domingos seguintes.
O churrasco que se preparava enquanto jogávamos, era o responsável por xingar e bater em quem acabou com a nossa partida. Garrafas de refrigerantes mais pareciam cachimbos da paz, a música que tocava ele fazia questão de controlar – o funk participava como convidado do samba. O sol de domingo já começara a mudar de lado, então surgiam as meninas trazidas por ele, com seus pêlos oxigenados na barriga, que cintilavam na minha cabeça, piercieng e shortinhos curtos faziam parte do uniforme das recém chegadas. E se alguma delas fosse uma medusa eu estaria frito, ou melhor, petrificado. O assunto em pauta era um só: qual vai ser de quem? A decisão sempre era inspirada por ele e a sua esperteza de saber o que elas estavam pensando, admirava a todos nós. Aí não tinha erro. Com o conselho dele, o "ataque" quase sempre era certeiro. E os carros, os banquinhos, os corredores de prédios, já estavam surpreendentemente preparado pelas próprias mãos dele.
Quando o sol começa a ficar mais rico de vermelho, era a hora de todos irem para casa, afinal hoje tinha o jogo no Maracanã. Ele fazia questão que eu fosse, nunca abriu mão disso. A caminho de casa, sabia que a ansiedade dele, agora já estava igual à minha. Durante o banho, escutava ecoar pelos basculantes os gritos e os rojões que ele permitia que soltassem e isso criava em mim uma sensação de batalha. Minha camisa rubro negra, a essa hora já tinha se tornado uma armadura da idade média e um exército trazido por ele já me esperava na porta de casa. Mais parecia uma parada militar que escorria até a estação do trem, transformando os vagões em tonéis preenchidos por um líquido vermelho e preto. E dentre as gotas que pingavam e não entravam, estava ele. Impedido pela própria física de se deslocar, apenas fitava a partida do trem lotado. Mas estava em paz, pois sabia que seus irmãos de trilho estariam a cuidar de mim.

Guilherme Ginane, 15/09/08

6 comentários:

Anônimo disse...

Vc esta cada dia se superando mais e mais,isso me deixa muito orgulhosa de vc,mas sei tambem que vc é muito forte eesforçado,torço pr vc crescer mais e mais em sua vida.VC MUITO ME ORGULHA,CONTINUE ASSIM.
BEIJOS,
MARY

Anônimo disse...

Ele nos ensinou a driblar com habilidade ímpar os zagueiros e finalizar com a frieza de um artilheiro.
Essa habilidade que faz com que seus jogadores joguem com tranqüilidade em qualquer tipo de campo, gramado ou esburacado (de terra), com chuva ou sol de 40 graus.
Para a gente, qualquer adversidade é como mais uma final de campeonato, resolvida aos 46 do segundo tempo com um gol de falta inesquecível.

Lindas referências, Gui.

Bjs

Anônimo disse...

Fala Gui,

Passou um curta na minha cabeça...

Só quem viveu sabe o que é isso!

A história se repete lá em casa exatamente com meu filho...
Domingo, quando o São Paulo fez o segundo gol, meu garoto chorou...
Peguei o guri no colo e disse com o coração de pai que quer a cria seja sua cópia mais evoluída, filho: Não chore... Futebol é assim mesmo.. Hj o nosso time perde, outro dia vence....mas no fundo eu queria mesmo é gritar: “Filho: Esse Flamengo não é o mesmo que vi na sua idade...Chora mesmo, pq seu coração de 6 anos não merece isso, muito menos o meu de 38”

Nessas horas me apego ao LH que diz: “Quem sempre quer vitória perde a glória de chorar” e choramos juntos, eu e meu filho!!!

Parabéns!!!
Marcelo Pepe

Anônimo disse...

Gui quando li o que vc escreveu,pr os meus ohos e meua ouvidos ,ecoava como linda canção e poesia,bem escrite e bem formulada.
O que se pode esperarn de vc,maravilhoso e inteligente continue assim,tenho a certeza que em breve teremos um escritor.
Parabens,te amo beijos.
Marcia.(tia)

Anônimo disse...

Fantástico Gui!!!!

Quantas boas recordações, ainda que reduzidas, porém profundas, pois poderíamos passar horas aqui relembrando outros grandes momentos da nossa Infância!!!

Homanegem merecida e sincera, recheada de Ternura e Gratidão, só poderia partir de uma pessoa de Coração Generoso, Fiel e Apaixonado.

Parabéns por sintetizar de forma brilhante todo o Amor que nutre pelo seu Pai!!!

Bjs no seu coração!!!

Marcelo Olveira - O Conde.

Anônimo disse...

Impressionante!!!
Esse Gui, infelizmente, anda muito distante!!!!!!!!!!!
Seus amigos sentem sua falta...
mts bjss
Duly