domingo, 26 de agosto de 2012

Texto sobre a exposição "O fim da metade é o começo do meio"







Na exposição O fim da metade é o começo do meio  Paulo Pasta constrói uma acústica que blinda os ruídos da discussão contemporânea. Na sua caminhada como a de um artista “fonâmbulo”, como ele mesmo já intitulou uma série de trabalhos, Pasta se assemelha a Jacobina, o personagem Machadiano do conto “O Espelho”. Transita do olhar que tem para dentro de si, em busca de algo que o faça pertencer ao mundo, para um outro olhar, que parece enxergar na história uma eterna gratidão de sua própria existência. Nas telas uma construção justa, conquistada de forma árdua, como ele mesmo diz “que busca o presente através das lembranças”, sem privilégios e facilidades a nada do que lhe é dado. Em tempo presente os desencontros do passado e futuro. Como Paulo Naves descreve em uma critica anterior ao trabalho do artista, vendo suas telas, "provisoriamente temos tempo". Nos mais recentes, expostos na parte superior da galeria, Pasta usa dois blocos centrais nas telas que se encontram em paredes paralelas, a ampulheta parece que novamente é virada, eu como observador, volto novamente à superfície para, depois, emergir lentamente nos grandes retângulos que rompem uma estrutura que já parecia solidificada, o tempo é esgarçado, e mais um embate é resolvido nele, e depois em mim. As listras laterais, com pinceladas aparentes, dão a certeza de uma incerteza vivenciada. As sutis diferenças tonais parecem conquistar os espaços e mais uma vez conquistar o tempo. Ronaldo Brito diz sobre uma outra exposição do artista "As cores vão sendo feitas e eleitas segundo uma duradoura afinidade imaginária, uma espécie de secreta hermenêutica subjetiva, mas devem enfrentar o teste real: funcionam ou fracassam nesta ou naquela eventual conjetura". O ar toma as cores pra si e na tela elas adormecem como espíritos desencarnados. Apesar de elas, as cores, não serem tudo que resume a pintura do Paulo, foi a partir delas que mais vi sentido em uma frase de Cézanne – "Se o pintor quer exprimir o mundo, é preciso que a composição das cores traga em si este todo indivisível". Mas o valor que têm as formas tão reais do pintor são ressaltadas em um texto seu no novo livro A Educação pela Pintura onde ele fala que “Quanto mais elementos tenho para pintar, mais vejo possibilidades para o meu trabalho. Isso contradiz um pouco que a maioria dos observadores aponta como sendo a primeira coisa a notar em minha pintura: a cor. Na verdade, penso que foi devido a essa expansão das formas que a cor ganhou maior amplitude e força”. E essa expansão não só dá amplitude a cor como também a seu desejo de situar-se em mundo novo, dá-lhe um caminho único aos paradoxos filosóficos e sociais que vivemos, onde talvez o passado não assumiria um papel tão malígno. Paulo Pasta parece encontrar um meio apolítico ideal para essa reflexão.

domingo, 17 de junho de 2012

As Maçãs

Tirei tudo da geladeira
e a desliguei sem você saber,
para, enfim, sair daquele que foi
o lugar que sempre sonhei
em conservar minhas maçãs.
Agora teremos duas geladeiras
em cantos diferentes da cidade.
A minha só há de apodrecer pensamentos amorosos
na solidão do espírito.
A sua servirá para florescer astromélias
com caules de gelo infantil que nunca mais
retornará ao estado líquido.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Lembrança


O cheiro do
cigarro
consumado
me relembra
a morte precoce
do brilho da manhã
no amadurecer
de minha infância
tardia

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Poema em preto e branco


Tranquilo sono,
sonho
movimentos brancos,
bruscos
repentinos choques
que se dão
passado e futuro
atrito das pálpebras ardentes
com o nó presente
interior

quinta-feira, 26 de abril de 2012

As Casas de Perdizes


Ah! As casas das Perdizes...
que nas transversais da Av. Sumaré
descansam suas paredes mofadas
e rosas envelhecidas
Durmo diariamente
para poder habitá-las eternamente
e ter como vizinhos
pintores,  poetas,
concretos
de
suas
la
   d
      e
         i
           ras
enamoradas

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O cigarro


Mil desculpas pelos
presentes dados
a minha alma manhosa.
Que de pirraça
se repele
com sede
e mais sede,
do cigarro
que sempre
se apaga antes da hora.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Uma homenagem a Drummond


Por horas sinto-me
dividido
horas que crescem em anos
que se dividem
em partes iguais
estações
noites e dias
e minha alma
sempre em dividendos
com o corpo habitado
inquisidor
Se há Deus
Que ele seja o juiz
a dar os honorários 
justos
que não seja homem
nem alma
(em homenagem a Drummond)
nem árvore
nem nada daquilo
que as palavras
podem dar sentido
a matéria divina

terça-feira, 27 de março de 2012

Um suposto assassinato

Caminhando com os olhos perdidos nas gotas dos ar-condicionados da rua Sete de Setembro, topei com uma caixa pesada que estava quase escondida dentro de um buraco das antigas pedras portuguesas que ali ornam.
Ela, envolvida em papel pardo, estava limpa como se tivesse sido colocada há pouco tempo. Parecia ser o presente que eu aguardava de Deus desde que começara a trabalhar naquele lugar tão cheio de olhares maliciosos. Muitos deles de ternos pretos, sempre acompanhados por mulheres de pernas grossas onde o elástico da calcinha pequenina mandava o meu coração pra goela. 
Com a topada a caixa amassou, era dura e parecia pesada, meu pé doeu. Olhei pros lados para saber se aquilo era uma armadilha de algum dos pivetes que diariamente me encaravam na porta do McDonald’s.
Não, não tinha ninguém me olhando.
Era por volta de sete e meia da noite, as pessoas já começavam a dar lugar para o lixo nas esquinas.
Pensei na possibilidade de ser uma bomba, tive medo de morrer.
Tome vergonha, tu parece uma criancinha medrosa! falei comigo mesmo.
Loucura, será?  Pensei comigo novamente.
(minhas pernas trêmulas começam a dificultavam o meu andar)
O que será que está acontecendo comigo?
Eu me dividira em dois, um outro eu apareceu em minha frente, nariz com nariz, e os pés sincronizando os passos, um pra frente outro pra trás.
O senhor de calça desbotada e sem camisa que fechava a porta barulhenta de um bar me olhou desconfiado, abaixei a cabeça envergonhado.
Meu pensamento ecoava como gritos no beco transversal à rua que eu topei com a caixa. Meu outro rosto só fazia rir de desprezo do medo ao me ver naquela situação.
A sensação da falta da razão me trouxe um calor por todo corpo. Comecei a me tocar para ver se o corpo que andava pra frente estava ali presente, assim como fazemos logo quando acordamos de um pesadelo. Senti meu braço, rígido, tencionado, ele estava ali com toda normalidade. Não tive coragem para tocar esse outro eu que andava me zombando na minha frente.
Ouvi no fundo da rua uma voz dizendo, possivelmente era a voz do gordo que fechava a porta do bar:
Isso é tóxico, não tenho dúvidas!
Minhas pernas que não respondiam ao meu controle, me fizeram entrar em um outro beco de paralelepípedos, agora muito escuro. Ao final dele tinha uma placa em neon, Love Night.
Pessoas ainda passavam, com seus ternos sobre os ombros, namoradas penteadas no final do dia carregavam seus namorados e sorrisos que me doíam no peito, todos com a pressa de já ter em casa uma mesa posta. Eu era um fantasma em meio àquilo tudo. No beco escuro passei a não me ver mais espelhado. Todo meu pensamento que parecia sair em gritos, falava manso e ninguém mais me olhava como aquele velho do bar.
Caminhei em direção à porta do lugar que prometia amor. De longe dava pra sentir o cheiro forte de mofo que saia da porta vermelha entreaberta.
Parei em frente a um sobrado, a umas três casas antigas de distância daquela porta que havia me hipnotizado. Encostei num poste. Um cheiro de mijo se misturou ao de mofo deixando o clima ainda mais sombrio.
A voz do meu pensamento entrava naquela porta vermelha, lá talvez eu me curaria dessa sensação terrível que me assombrava.
A mochila pesada com livros que eu costumava comprar nos sebos do centro pesou em meus ombros, com a mão esquerda fui ajeitar a alça direita, foi aí que eu me dei conta de que estava carregando a caixa que eu havia chutado na rua Sete de Setembro. Novamente o calor da loucura tomou conta de mim, e se ali tivesse algo contagioso, ou alguma coisa que pudesse me incriminar? De novo o medo da morte. As questões começaram, a voz voltou a ecoar como grito, um jovem de camisa social branca bem ajeitada por dentro de uma calça de brim preta veio me perguntar se eu queria ajuda, e assustado eu disse que estava perdido. Perguntei onde eu poderia pegar um ônibus para o Madureira. Ele fez alguns sinais e logo se foi.
Minhas mãos voaram para rasgar aquele papel amarelo cor de merda. Sem jeito para abrir em pé, me ajoelhei no chão sujo, virei de costas pra rua fui tirando as inúmeras camadas que envolviam a caixa. Eu olhava para os lados com medo da polícia.
Depois de alguns minutos retirando papéis chego no papelão preto de uma caixa de sapato, cuidadosamente abro a tampa da caixa lacrada por fita crepe mal colada. Para minha surpresa vejo algumas fotos rasgadas, outras queimadas nas pontas, as observo muito, parecia ser de um casal, e por baixo delas um vestido sujo de sangue que envolvia uma arma. O fundo da caixa era todo forrado por  cartas de tarot. Desesperado eu a fecho, coloco-a ao lado dos meus joelhos e me levanto respirando fundo. Penso nos rostos das pessoas que estavam nas fotos e já não me lembro deles, era como se tivessem se velado em minha memória. O meu pensamento volta ser mudo. Uma brisa fresca com cheiro de mar vinda da praça XV toma meu corpo me tranquilizando. Ajeito novamente no ombro a alça da mochila, olho para o letreiro em neon (Love Night) e volto ao meu destino, o mesmo que aquele rapaz camisa social branca bem ajeitada por dentro de uma calça de brim me indicou com tanta paciência.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Chica e os likes

Quando pequeno eu temia a voz áspera e a falta de dentes desenvergonhada dela. O cheiro de álcool sempre muito forte me fazia ter curiosidade em saber o que se passava na casa daquela velha de pano amarrado na cabeça. Mas definitivamente eu não gostava daquilo, o medo me fazia rejeitai-la. O nome dela era Francisca, empregada de minha vó e de certa maneira babá de minha mãe. De certa maneira por que naquela época, ou naquela região, não davam esse nome aos negros que cuidavam das crianças entre os afazeres da casa. Chica, como era conhecida, também fez muito parte de minha infância. Me lembrei dela depois de ver um vídeo de Clementina de Jesus no Facebook.  Elas eram parecidas. Velha querida, saudosa e sofredora dos males que o descaso que minha vó e minha mãe não tiveram. Mas a sociedade faz como mandam os justos. Um dos filhos dela foi morto na favela, ninguém nunca soube muito bem o porque. Já o neto, até então estava preso em Bangu 1, traficante dos brabo. Depois de anos minha mãe conseguiu também mante-la como sua empregada, ela já bem velha e com problemas na perna teve até uma pessoa pra ajudar a fazer os serviços que eram dela. Eu não sabia o porque daquilo, não tinhamos condições financeiras de manter duas empregadas em casa. Insistia pra que minha mãe a mandasse embora. Meu pai também era contra a permanência dela . Mas minha mãe sem ter um porque a defendia de forma incisiva. O alcoolismo, assim como os argumentos das pessoas contra a Chica, estavam cada vez mais fortes. Minha mãe continuava firme, mas a Chica estava pior a cada dia. Houve várias tentativas de tratamentos, mas não adiantou nada. Já não dava para mante-la em casa integralmente. Mas diariamente ela estava lá na porta a pedir dinheiro. Minha mãe dava, sempre ao contragosto de todos.
Hoje é muito comum na rede vídeos em defesa de pessoas ou de alguma parte minoritária. Claro que eu não desejo a Chica na casa de ninguém. Mas me pergunto: Se um like transformasse você numa pessoa incoerente e sem a razão perante a todos os seus amigos, filhos, parentes e etc, você clicaria em beneficio de alguma causa? Desconfio destas manifestações on-line, acredito que o benefício é muito mais pra  reputação de quem clica, do que pra quem está necessitado.  Chica morreu, e me arrependo de não ter dado apoio pra aquela bela atitude incoerente e sem razão de minha mãe.

Clementina de Jesus
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=RQMBOlzajEg

sexta-feira, 9 de março de 2012

Tarde de domingo

Deitado numa tarde calorenta de domingo inalei, como um faz um enfermo mascarado, o forte cheiro da responsabilidade excessiva que misturava perfume e suor. Os olhos fechavam no rítmo das cortinas de renda que se mexiam com a leve brisa trazida pelo alto coqueiro que de pé se avistava da janela. O som da tv que transmitia um jogo de futebol do campeonato paulista fazia o papel inverso, abria meus olhos a cada lance que o narrador via perigo. Uma voz aspera que surgia de dentro do travesseiro transitava entre o leve sono e a realidade de uma maneira fulgaz. Minhas pernas de menino suavam. Virei para o lado oposto da cama para fugir do calor, meu braço direito foi descansar em um peito cabeludo. Ali, quando acordado, eu brincava com meus pequeninos cavalos de plástico. Nele eu imaginava o cenário perfeito de uma grande batalha. O barulho do coração servia para dar a veracidade do pulsar da terra. Os cavalinhos que foram parar no meu sonho se tornaram gigantes e o plástico mordido nas pontas deu lugar a músculos viris. Eu, de farda, liderava uma legião de soldados feridos quando um hálito forte me fez abrir os olhos, e a barba feita no dia anterior me arranhou o rosto com um beijo carinhoso.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A eterna visita

Minha alma como um touro atingido, correndo sem rumo pelo estádio deserto. Eu me vendo costurado no pano vermelho nas mãos de um homem com armadura Flamenca.
Assim era o meu sentimento no dia que esperava o ônibus azul e amarelo que me levava diariamente para o colégio que ficava a alguns metros da minha casa, no Méier. A cada barulho de motor que chegava com a brisa leve que passava na deserta manhã de inverno, o meu pequeno coração palpitava em busca de socorro. Gritos de desespero saiam dos ventrículos, palavra que eu havia aprendido na última aula de ciências, pensei naqueles corpos dos livros que tinham veias vermelhas e artérias azuis que se uniam por um coração misterioso. As crianças iam saindo de suas casas e passavam por mim acompanhadas de seus pais, nos rostos, cabelos pentados, lábios sorridentes e olhos desatentos que não reparavam dentro dos meus os movimentos daquela sangrenta batalha. O ônibus e a chuva chegaram. O barulho do freio foi alto e a porta começou a se abrir lentamente. Logo se revelou o rosto de uma ajudante gorda e com olhar cruel. Ela olhou fundo nos meus olhos, fiquei com medo, fechei os meus e segurei alguns segundos até os abri-los novamente. Ela, mais próxima de mim, perguntou o que havia comigo. Foi aí que eu empurrei o porteiro que estava ao meu lado a pedido de minha mãe. O velhinho quase caiu e gritou, eu sabia que a gorda demoraria um século pra descer aqueles degraus e me pegar. Corri, a mochila balançava e batia forte na minha bunda, doia, mas eu não parava. Os pés molhados escorregavam nos paralelepipedos  desnivelados. Lembrei da casa da minha falecida vó, que há anos estava fechada, quem sabe eu me esconderia atrás do muro com lodo ou dentro do enorme matagal que crescera no quintal. Ali ninguém me acharia. Com essa direção minha corrida ficou mais rápida. No pedaço mais ingrime da ladeira eu me deixei, fui perto do tombo mas cheguei inteiro na casa cor de laranja. Não procurei olhar pra trás e ver se alguém estava próximo. Toquei muitas vezes a campainha sem esperanças que alguém abrisse. Enxarcado eu me preparei pra pular o muro, estava levantando a calça de tergal azul escura quando uma pequena luz se acendeu por entre os vidros canelados. A fechadura da porta de madeira se abriu lentamente e de dentro da casa, para o meu espanto, saiu minha vó morta. A chuva parecia aumentar e ela caminhava com seus pequenos passos até o portão de ferro. Os cabelos brancos não se molhavam. Quando chegou até mim, ainda por dentro da grade, ela estendeu a mão sobre minha cabeça e disse:
- Volte para aquele ônibus, mas não esqueça de, o mais rápido possível, voltar a me visitar.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Amy e Chico.



Nas últimas semanas, de tanto ver notícias sobre a precoce morte de Amy Winehouse e de muito escutar o belíssimo novo álbum do Chico, chego à conclusão que todos nós, sem exceção, saboreamos, aos vinte e sete anos, um pouco do sabor amargo da morte. 
Na letra de um blues chamado "Essa pequena", Chico diz:

Feito avarento, conto os meus minutos

Cada segundo que se esvai

Cuidando dela,
que anda noutro mundo

Ela que esbanja suas horas ao vento, ai           

Ele descreve as diferenças da convivência entre uma pessoa de trinta e uma de sessenta. A morte que me refiro é essa, gradativa, lenta como os passos de um velho a admirar jovens correndo, caindo e levantando em um parque ensolarado. Acredito que alguns enxergarão na minha conclusão um pessimismo em relação à vida. Logo lembro das dores e sensações das primeiras paixões e me convenço mais e mais que a morte está a acontecer sim, queiram ou não aceita-las.

Aos vinte sete anos essa reflexão aparece. A diferença entre o minuto que passa a durar mais e os dias que duram menos fica nítido nesta fase. Claro que a idade a que me refiro não é de forma literal, é um símbolo de um sentimento que pode acontecer aos vinte e dois ou aos trinta e cinco, e quem sabe aos cinqüenta, se seu passado não vier lhe cobrar e seu futuro puder esperar. As minhas lembranças continuam a distancia da eternidade dos meus dezoito anos também. Me recordo das sensações físicas, as diferenças dos sabores, as distancias e o frio que aumentaram junto com o peso das sacolas de supermercado. As realizações que passaram a demorar quase uma eternidade, se comparadas a uma época em que, num só dia, duas delas aconteciam inesperadamente.

Os de vinte sete anos que se foram, simplesmente não agüentariam conviver pacificamente com isso. Começaram a sentir o que estava a acontecer e se entregaram. Certamente não eram felizes depois que descobriram  que o instante morreria dando lugar ao tempo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Facebook, Twitter e McDonald's

Lendo a coluna do Caetano ontem no O Globo fiquei sem sossego quando ele se referiu a internet como sendo um “brinquedinho do Pentágono”. Pelo resto do dia andei com isso na cabeça. Já no final da tarde em um shopping eu tinha fome e pressa, e mais uma vez eu resistia a uma ida ao McDonald`s. O que sempre me faz ter essa atitude são questões ideológicas que começaram a me cercar na adolescência (em exagero confesso), e acredito que para muitos da minha idade também. O estilo fast-food não me era assunto novo até eu juntar o McDonald’s com que eu vinha refletindo desde a manhã. Pensei no Facebook. As pessoas que quando jovens tinham ojeriza aos nomes americanos que chegavam ao Brasil recepcionados por um tal de Ronald, hoje se deleitam na novidade criada em Harvard. Por que resistir ao McDonald’s por ideologia se eu uso quase doentiamente o Facebook? O que me assusta é pensar que expor qualquer raciocínio que reflita a credibilidade ou a efetividade dessa ferramenta soa ofensivo a liberdade, conservador, pois coloca em questão a “maior forma democrática do momento”. Será? Benefícios são evidentes e incontáveis, talvez a queda recente de ditaduras seja a maior prova disso. Mas esses argumentos estão longe de me fazer acreditar cegamente em qualquer verdade unânime criada momentaneamente pelos intelectuais da rede. Ao contrário, quando um fato é disseminado de maneira descontrolada, como o caso Bethânia ou o do metrô de Higienópolis, (exemplos de coisas mais próximas a nós) tento manter o máximo de distanciamento das piadas instantâneas para construir uma opinião fundamentada seja ela no que for, fora da rede ou dentro da rede, contra ou a favor do que está sendo julgado. Cito novamente a coluna de domingo do Caetano, que se refere a uma “bolha ideológica que cresce ao redor da internet”. Até quando formaremos opiniões de 140 caracteres? Seremos saudáveis com essas informações rápidas e saborosas? A vontade de sair do anonimato a qualquer custo e se inserir em um contexto imaginário, não terá limite? Um lugar onde ricos falam como pobres e pobres falam como ricos. Escrevendo esse post conseguirei visto para entrar nos Estados Unidos? Lembram da vinda de Obama ao Brasil, em que um dos argumentos usados pelo FBI para que ele não fizesse um pronunciamento na Cinelândia era a manifestação dos usuários no próprio Facebook?

terça-feira, 3 de maio de 2011

Leonilson - O Peso dos Meus Amores

A pouca chuva que caia domingo na Av. Paulista dava ao asfalto um cheiro inspirador a casais apaixonados. A paz e a tranquilidade se apresentavam nos adolescentes travestidos como heróis de revista em quadrinhos, nos mendigos, no velho que cochilava na sua barraca de moedas antigas e em mim até eu pisar no Itaú Cultural e ver pessoalmente, e pela primeira vez, a exposição "O Peso dos Meus Amores" de Leonilson. Os meu sentimento, assim como uma moeda nas mãos de um árbitro de futebol, fora lançado ao ar sem saber com qual face iria novamente repousar. Já na primeira obra foi por demais forte o desconforto, respirei fundo e tentei manter a calma. Persisti e a tensão também. Desconcertado segui para a segunda, outra acrílica sobre lona, e ali a rebeldia do meu espirito foi maior. A tela parecia ter se transformado em um espelho e eu perpelexa, via refletida a minha alma contornada pelos traços amargurados do artista. As formas me surgiam como pinturas rupestres que estavam escondidas em minhas cavernas interiores. Eu já não conseguia mais suportar o confronto, parti para a outra ao lado, a outra e a outra. Eu era lágrimas e suor vendo vultos e cores. Me dei conta de tamanho abatimento quando fui chamada a atenção por um dos seguranças da sala por estar debruçada sobre um monitor que exibe os rascunhos do jovem falecido. Disfarcei, pedi desculpas ao homem de terno, respirei fundo e segui. O suor nas minhas mãos não cessavam e o coração batendo com fúria me faziam perceber que daquela maneira sucumbiria. Fechei os olhos para que na minha escuridão sentisse meu corpo. E assim foi que percorri o resto dos bordados e lonas que me cercavam, na ecuridão do meu corpo e nas cores escondidas de minha alma. Confesso que fiquei a frente de todas as obras mas não consegui enxerga-las. Prometo a mim que lá voltarei, mais fortelecida, para poder adimirar com toda a plenitude a beleza do trabalho de Leonilson. 

Laura de Menezes 29 anos - Escritora 

terça-feira, 22 de março de 2011

Findou o carnaval

Em memória de Eronides Araujo

João esperava o último ônibus que passava na Presidente Vargas em direção a Madureira. Era uma segunda feira de carnaval, foliões cabisbaixos com suas fantasias despedaçadas, caminhavam, cambaleavam e cantarolavam na curta calçada que dividia as duas pistas. Os barulhos dos assobios dos pneus do carro eram companheiros do pensamento triste e solitário do jovem. Quando o ônibus chegou, foi preciso que João se atirasse no meio da pista para que o motorista reduzisse e enfim parasse a alguns metros de distancia do ponto. O chiado do freio não foi capaz de acordar o palhaço e o pirata que dormiam um sono tranquilo. Nem mesmo o trocador, que se debruçava sobre a mesa fibra azul, esboçou qualquer reação. João ainda sobre o efeito de tanto álcool que bebera desde a manhã, deixou seu braço cair sobre o as costas magras do trocador. Assustado o homem de camisa azul, encardida e aberta até o meio do peito, achou que estivesse sendo assaltado. E com um reflexo de um gato segurou a camisa listrada de João, que deixou seu chapéu cair. Abaixando para pega-lo foi explicando com a voz embaralhada e carregada de medo.
- Queria somente pagar a passagem.
Irritadíssimo o trocador esbravejou de tal maneira que o motorista ameaçou parar o ônibus e chamar a polícia. Tudo aquilo ecoava como um sonho para o negro João. A cabeça dele estava mesmo em Bárbara, uma branquinha de Copacabana que ele conhecera em um baile de hip-hop perto de sua casa. Transaram e se encontraram algumas vezes no periodo, de mais ou menos, seis meses. Mas desde o ínicio do carnaval ela não olhava para a cara dele. Ela não quis nada com o negão, pensava ele do jeito carinhoso como ela o chamava. Ele percorrera sozinho todos os lugares onde ela poderia estar, a encontrou e nem um "oi" ela lhe ofereceu. Com a cabeça pra fora da janela do ônibus o vento lhe marcava as bochechas e jogava para atrás as lágrimas, lugar onde ele as sonhava em deixar pra sempre.  Pensava que naquele dia que já quase amanhecia, era o dia do desfile do Filhos do Pife, bloco que seu pai é baluarte e um dos fundadores. E foram variações desses pensamentos que o levaram até o ponto final. Lá teria ainda mais dois quarteirões até chegar e ver a luz da sua casa acessa. Nada inesperado, sabia que seu pai estaria acordado até a última escola de samba a desfilar. Ele temeu que o álcool empregnasse a pequena casa. Abriu a porta e correu direto para o banheiro, tomou um banho, se recompôs, e ai sim foi de toalha, percorrer o corredor para encarar o pai que sem tirar o olho da televisão o perguntou:
- O que aconteceu, João?
Com a voz tremula João disse que o ônibus havia demorado a passar, mas mau sabia ele, que Serafim, estivera no ponto a espera-lo até uma hora atrás. Ele vira inumeros ônibus vazios que vieram da Zona Sul.
Com a voz serena de sempre, sabia que o filho estava a mentir, e para não jogar farelo aos pássaros pretos da desconfiança, falou:
- Sei que foi aquela menina, estou te acompanhando. Tome cuidado, ela não serve pra você meu filho.
João calado fixou o olhar no terno cor de prata com uma brasão na manga esquerda que estava pendurado na estante cor de mogno.
O pai inesperadamente desligou a tv, levantou-se, beijou a cabeça do filho e disse para que amanhã ele não perdesse a hora para o desfile do bloco.
João agradeceu a Deus por não ter tomado uma grande bronca e foi pro quarto. Deitou a cabeça que girava como a terra ao redor do sol, só que o seu sol era Bárbara, linda, fantasiada de Branca de Neve a suar pelas pedras gastas do centro da cidade. Lembrou das palavras do pai e aquilo só lhe fazia sofrer mais ainda. O peito doia. E foi embalado nesses pensamentos que João só foi acordar quando escutou os Filhos do Pife já próximo a sua casa. Estranhou que o pai não havia o acordado. Foi até a sala ainda sonolento e o terno cor de prata ainda estava pendurado na porta do móvel de mógno. Seguiu a passos largos pelo pequeno corredor até chegar ao outro quarto. Ainda escuro o silêncio e a paz reinavam no comodo de paredes rachadas cor de pastel. João com muita sutileza tocou o braço direito de Serafim que não esboçou nenhuma reação. O filho muito carinhoso foi até o rosto, sentiu a barba arranhar a sua mão, assim como ele sentia quando criança. A pele muito gelada assustou João que jogou a cabeça com força em cima do peito cabeludo do pai. E nada. Com as duas mãos segurando forte os ombros largos de Serafim, João gritou:
- Acorda Pai!
Os olhos fechados continuaram e a boca semi aberta também.
João desesperado correu até a janela que dava de frente para rua que naquele exato momento o bloco se alinhara para entrar. Ele voltou ao quarto, foi ao pulso do pai e nada. Foi ao peito do pai e nada. João dobrou o joelho e desabou na beira da cama. O choro e os gritos se confundiam com o barulho da euforia dos foliões que se divertiam ao som das marchinhas embaladas por instrumentos de sopro. O filho foi até a sala, pegou o terno cor de prata e com dificuldade vestiu o pai com os membros já enrigecidos. Depois de te-lo vestido por completo, passou os braços por trás dos seus ombros e com força e choro foi levantado o velho. Queria que ele acompanhasse, nem que fosse pela última vez, o desfile do seu querido bloco. Os pés de Serafim iam arrastando tudo que estava no chão, João não se preocupava. Os dois abraçados, com muito esforço, chegaram até a janela de madeira que estava escancarada. As lágrimas de João encontravam labios sorridentes. O som do pife invadia a velha sala, o negro sentia novamente a quentura do corpo paterno. Labaredas de fogo cresciam no ritmo dos acordes mais graves a frente de uma multidão colorida. Pessoas passavam e cumprimentavam os dois. Músicas relembravam o passado de João e do seu velho pai.  Naquela hora o jovem não tinha olhos para humanos, ele via Deus e seu pai juntos, de terno cor de prata, dançando sobre labaredas e adereços, embalados pelo sol e pelo carnaval de rua de Madureira.