quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Santiago e "A Dança das Mãos".

João Moreira Salles, durante uma hora e vinte minutos, mostra como vivia um mordomo chamado Santiago que, durante sua infância, não passava de uma peça de pequena importância no tabuleiro de xadrez de sua vida. Um peão que no começo do jogo nada mais faz que cumprir seu papel de movimentar-se. Mas o tempo e a sabedoria são como irmãos gêmeos siameses, a esposa desse "ser de duas cabeças" se chama nostalgia e, como em todo caso de amor, as crises aparecem como o apetite. Em uma delas, creio eu, João percebe a importância daquela peça que ainda permanece em seu tabuleiro, mas a função dela agora é outra. Já não é mais medida pela sua movimentação e sim pela importância de como ela se manteve viva na guerra de sua inteligência. E foi assim que a história de Santiago se deitou e dormiu em um roteiro para que depois viesse a acordar na cabeça das pessoas que assistiram o filme.

O mordomo se revelou uma pessoa que vive entre a realidade e a imaginação, como se fosse uma fêmea parideira de suas próprias loucuras, pois dar vida aos seus próprios tormentos é o que lhe parecia mais atraente. Suas mãos inquietas espantam a submissão que todo mordomo carrega como um fardo. A simplicidade da casa contrasta com a complexidade de seu raciocínio. Um pequeno banheiro, uma saleta, um quarto. Ali, apenas uma cama e uma estante de ferro que mais parece saída de um quartel. E nesta, papéis velhos empilhados. Papéis esses que traduzem toda a trajetória da loucura de Santiago. Descrevem, com ricos detalhes, personagens da aristocracia mundial, de anti-papas e papas até atores contemporâneos, alguns preferidos outros vilões. Então, as mãos - sempre elas - martelam sobre a máquina de escrever as suas angústias para que fitas vermelhas enrolem os blocos. Detalhes de dia e ano em que foram iniciados os escritos também compunham os papéis, talvez para demonstrar o seu apreço pelo seu próprio interior. Na apresentação pessoal o seu nervosismo dava o tom de uma "atuação". Aos poucos e com dificuldade, eu pude entender como ele viveu seus últimos anos de vida. Quando falava de suas paixões, as mãos tomavam novamente o papel principal. Aquelas mesmas mãos que serviam de suporte para a família Salles, agora eram protagonistas de um espetáculo. Pensei em se tratar de um monólogo, mas não. As mãos dividiam, cada uma com sua presença, um palco imaginário. Talvez por isso, ele mesmo descreveu sua grande paixão como "A Dança das Mãos".

Guilherme Ginane, 04/09/08

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens, Guilherme.

Palavras lindas e de muito conteúdo.

Você nos orgulha muito. Deus te abençoe.

Te amo, beijos.

Mary