sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Carcereiro

"Pois eu terei engolido um cão filósofo, e o mérito do discurso é todo dele." Machado de Assis

Com vinte e dois anos, Luiz Antônio, mais conhecido como Tônho, órfão de pai e avô, mora em uma favela chamada Morro do Amor, no subúrbio do Rio. Divide uma casa de um cômodo com sua avó Margarida, sua mãe Glória e um irmão de seis anos, chamado Gustavo. Esse último, Deus resolveu não lhe dar armazenamento das duras emoções que se passa debaixo daquelas telhas de zinco, cedendo-lhe uma paralisia cerebral.
Margarida, a matriarca da casa, tem sessenta e dois anos, e cada um que se passa, é doado um pedaço de sentimento aos netos, e Tônho é sempre beneficiado no dia desta partilha. Talvez seja pelas semelhanças físicas com o antigo proprietário. Ela tem a preocupação de manter o seu lar cor de cimento, com as mesmas características deixadas pelo falecido Gildo, grande amor da sua vida. Além do amor que tem pelos netos, ela também é dona de um invisível conflito interior, que envolve um coração bondoso contra uma maldosa ociosidade da velhice.
Vou falar agora de quem tem a possibilidade de aumentar a árvore genealógica desta família. Então desço alguns galhos e chego a Tônho. Criado por toda sua vida nos becos apertados da mesma favela que ainda mora, Luiz Antônio de Pádua da Silva teve que se acostumar com as restrições impostas pela pobreza. Até os seus treze anos, se sentia igual às outras crianças com as quais convivia. Nesta época perdeu o pai, que morreu na noite, de onde fez sua morada. Vale lembrar que pouco o via, mas ele sentiu o que é ver a nascente do seu sangue ser coberta de terra, e depois disso teve que se acostumar, por um longo tempo, com os braços acolhedores do choro. No ano seguinte ele perde o avô, sua grande referência diária, agora os braços de lágrimas já não conseguem aquecer o frio de tantos vazios, que parecia se tornar maior diariamente. Sua rotina era pontuada por momentos de dor, como o sofrimento do meio dia, quando, do portão de saída do colégio, não avistava uma cabeça branca, que carregava um rosto enrugado, com o sorriso de um noivo no altar e chicletes no bolso. O vazio que encontrava na vida começou a ser preenchido pelas pontas de seus lápis, em desenhos no canto do caderno. Os problemas matemáticos também eram resolvidos e elogiados. E o tempo ia passando, penso eu o porquê que a terra gira mais devagar para quem sente falta de alguém, parece que um ano se passa em dois, e, nessa matemática, já se passara quatro anos até Tônho conhecer Biatriz.
Antes de falar em Biatriz, falarei de Glória. As palavras serão curtas como sua alma. Teve Tônho aos dezoito anos, e parece que não conseguiu abandonar a infância. Existia quem jurasse que, depois do filho, a fase adulta lhe viria, mas eram só comentários que não passavam de apostas, em que e as moedas de pagamentos eram palavras de bom dia e boa tarde. A leveza irresponsável da infância permaneceu nela. O segundo filho lhe trouxe ao seu corpo sinais da idade. Entregou à mãe os cuidados dos filhos. Às vezes se escreve muito de quem pouco ofereceu ao mundo, Gildo daria mais linhas, injustiças literárias!
Voltarei a falar sobre Biatriz. Conhecida como Bia por todos no colégio, uma mulata linda, costumava levar no cabelo uma flor que parecia perfumar os lugares que chegava. Suas pernas bem torneadas vestiam calças justas que causavam uma transparência imaginária. Os lábios, ó que beleza! Eram como uma moldura para suas palavras doces. Os cílios pela manhã, perfeitamente alinhados, pareciam ser colocados para um espetáculo de ballet, os ombros largos, e quase sempre a mostra, dividiam a atenção com os seios, que tinham sabor só de ver. Amigo papel, você agora, seria gasolina no fogo do ciúme do órfão, então é melhor eu parar por aqui, porque a imaginação não pode se fazer real.
Tônho depois da perder suas referências, se tornou uma orquestra sem maestro, a sua batuta ficou durante dois anos sem dono. Se a maconha conseguisse criar uma sinfonia com regras, ele lhe daria a propriedade da mesma, mas não conseguiu. Na escola conheceu Bia e, com a quentura no corpo que sente um tímido, ele foi se aproximando aos poucos da menina que andava com a flor no cabelo. A aproximação já soava intencional, e dentro de pouco tempo estavam namorados. Dois anos de amor intenso e novidades rotineiras se passaram. O órfão termina os estudos, e a necessidade faz com que ele comece a trabalhar como carcereiro no presídio de Água Santa. A solidez dos pilares de ferro do relacionamento de Biatriz e Luiz Antônio estavam sendo tomadas pela oxidação do ciúme. A insegurança agora fazia parte da sua vida amorosa, ao contrário da segurança com que ele convivia dentro dos pátios cinzas da penitenciária. Penso eu - ó dito popular como verdadeiro e duro tu és com a realidade - os opostos se atraem! E assim a orquestra do órfão se descompassou novamente, Bia já não queria mais reger uma sinfonia triste, buscava nas imaginações alegres da idade, não mais uma orquestra, agora lhe cairia melhor, quem sabe, um grupo de frevo, e assim acreditou e logo deixou a batuta de Tônho novamente sem dono. O órfão agora é só lamentos e tentativas de reconciliação. Melhorou um pouco quando recorreu às força divinas.
Na carceragem passa a ser o funcionário exemplo, e os presos o odiavam. Cinco meses recebendo notícias tristes do comportamento de Bia e, já acreditando no término, agora quem o deixa é sua vó. Ele sentiu muito ao pensar que, naquela hora, seu avô Gildo estaria sorrindo na eternidade. A perda da velha lhe rende o ganho do sustento da mãe e do irmão doente. Que agora, ele lhe faça adorar também esses recém condenados.

Guilherme Ginane, 28/11/08

3 comentários:

Boneco de madeira disse...

Nao li tudo AINDA, mas ja li um satisfatorio primeiro capitulo machadesco ginanesco, muito satisfatorio, sou seu leitor rapá!

Anônimo disse...

Irmão...

mt legal!
Parabéns!!!

Anônimo disse...

Essa ainda nã havia lido.
muito bonita.mas....muito longa.Parabens de onde surgi isso ainda me pergunto.
Beijos.
Mary