Era o meio de uma semana e o início de uma tarde. Folhas secas de amendoeira se arrastavam pelo chão, orquestrando o som de uma sinfonia fúnebre. O céu, que sempre parecia perto de minha cabeça, se fundia com o verde dos morros que cercavam aquela ladeira de pedra, na qual descansavam minha casa, minha família e minha alegria. Sobre um par de chinelos, eu caminhava em direção a eles com a segurança de um carro forte. De um segundo para o outro o céu se enfureceu, mudou de cor e desabou sobre a minha cabeça, me causando suor nas mãos e frio na barriga. Naquela hora minha rotina de borboleta parecia querer retornar ao casulo de lagarta. A princípio não dei muita atenção para aquela sensação, interpretei como uma coisa bem natural, pois, naquela época, a minha imaginação me visitava com a mesma freqüência que meus primos de segundo grau. Continuei a subida com o fôlego de um maratonista. Eu comparo as mãos que me cumprimentavam em frente aos portões de ferro, ou por dentro de janelas protegidas por grades com desenhos de coração, aos copos de isotônicos, que são distribuídos durante os quarenta e três quilômetros de prova. Quando eu percebi que o vento esvoaçava meu cabelo mais do que o normal, me dei conta que, de fato, havia algo de estranho naquele momento. A sujeira, trazida pelo vento, deslizava no asfalto, beliscando as minhas canelas, e as nuvens pretas que se aproximavam, feriam meu sentimento e entravam na casa de um desconhecido chamado inconsciente. Eu já não possuía mais um controle total sobre o meu pensamento. Deixei de caminhar e corria dos raios e relâmpagos. A chuva, que começou forte, aumentou também a confusão na minha cabeça. Os metros que faltavam para eu chegar até a minha casa começaram a se transformar em quilômetros, os minutos em horas e o asfalto em uma areia fofa, que dificultava muito, os meus passos. Os pingos, que pareciam cada vez mais fortes, não caiam sobre as pessoas tranqüilas que passavam ao meu lado sem guarda-chuvas. A chuva que eu via e escutava sumia na minha realidade, a única água que me molhava naquele instante eram as lágrimas de desespero que saiam dos meus olhos. Tentei conversar com Deus, pois, para mim, até o momento, Ele era um amigo que me auxiliava nas horas de sufoco da minha vida de adolescente. Mas naquela hora, percebi que Ele, além de surdo e mudo, também era cego, e não podia me mostrar se realmente o céu estava tão escuro quanto a noite, ou se os estrondos dos trovões, que doíam em meus ouvidos, eram somente descargas elétricas ou graves descargas emocionais. Enfim, o portão da minha casa surgia frente aos meus olhos, como se fosse a porta de um submarino submerso em alto mar. Mas o derradeiro trovão foi o que mais me assustou. A explosão foi dentro do meu peito, me fazendo empalidecer, quase desmaiar. O mundo descontava em mim toda sua raiva com um grito no ouvido do meu coração. Meu rosto causava estranheza ao porteiro, que, com um olhar de consternação e uma camisa azul clara e suja, tentava descobrir o motivo de eu trazer olhos tão arregalados e a boca tão alva. Atravessei o degrau que dividia o piso que imitava granito do asfalto sujo da rua, me virei com rapidez, adiantando-me à lei da física, e empurrei o portão, fechando as portas da minha imaginação. Logo o vento cessou, o coqueiro tomou sua forma normal e os relâmpagos deram lugar aos bem-te-vis, que, depois daquela tarde, se tornaram meus grandes amigos. De fora da minha janela eles dividiam comigo uma rotina de desespero e medo. Foram anos de conversa e paciência, até o dia que conseguiram me explicar que chuvas como aquela aconteceriam sempre em minha vida. Eu só não poderia deixar que elas me pegassem desprevenido novamente.
Guilherme Ginane, 7/11/08
5 comentários:
Gui, As tempestades possuem curta duração e são marcadas por ventos fortes e uma grande calmaria após seu fim. Servem principalmente para fortalecer as raízes invisíveis de árvores fortes que, quando adultas, parecem alcançar o céu.
Leandro
Isso mesmo, uma das caracteriscas da vegetação que cresce em lugares com ventos e tempestades, é ter galhos e raizes fortes para, nessas saxionalidades sobreviverem, muitas, em certos periodos, perdem até folhas para permanecerem esguias...
depois das tempestades, ficamos mais fortes ainda...
beijo!
Fala, Guilherme. Belo texto. Fez de algo cotidiano grandioso. E não será essa a grande sacada da vida?
Abração.
Fala Renan,
aqui é o ibirapuera, para minhas emoções.
Postar um comentário