O ambiente na casa de Marta parece bem tranquilo para quem entra com olhos inocentes e virgens de emoção.
Filha única, ela divide com a mãe um apartamento de dois cômodos no bairro de Madureira. Os brilhos causados pelo sol da tarde fazem brilhar o chão de taco sintecado. A menina que com 24 anos ainda não conhece a rotina do trabalho, passa as tardes nua a esperar o telefonema do seu mancebo. Sua vagina bem aparada contrasta com o desleixo da imagem de sua mãe, Geisa. A velha entregou-lhe a sua própria vida na hora do parto. Hoje já viúva tem uma pequena pensão que poucas vezes dura até ao final do mês. São três bocas a comer dentro do dinheiro deixado pelo defunto. Martinha como todos a conhecem nas rodondezas do prédio, diariamente sai pelas manhãs, geralmente com saias coloridas e curtissimas a exibir suas belas coxas morenas, animando a manhã tão desacreditada dos vádios do bar. O respeito existe, pois Jeremias, antes de morrer, fez parte de uma "tal de milicia", tão temida naquela área. As pessoas do lugar afirmam que ele mandava matar quem atrapalhasse a tranquilidade do bairro. E quando vinha calado, coçando o pé da orelha com a unha avatajada do dedo mindinho, podia crer que a Deus encomendou um corpo. A vida dele se foi, e o legado ficou. Porém os desejos não morrem nunca, e foi na falha da carne que o atual namorado da morena se instalou na família sendo a terceira boca a comer a pensão de Jeremias. De nome Marcos foi criado naquela área e se tornou um dos mais perigosos marginais nascidos por ali. Carros do ano e celulares da moda ele se encarrega de apresentar pessoalmente para a garotada da comunidade. Recentemente mudou-se para um apartamento em Copacabana, que segundo as bocas corajosas de Madureira, serve para armazenar armas e tóxico. Já as linguas mais soltas complementam: mudança de verdade foi para a casa da pobre coitada da Geisa. Acreditem vocês no que dizem mais de duas bocas vizinhas. Admito sim que, a verdade, por vezes, pode morar nas mansões da inveja, mas morrer ela não morre nunca! E hoje o marginal dorme e janta na casa de Marta e ali nunca assumindo como seu próprio lar, talvez para fugir das cobranças do dinheiro e da comida. Seu trabalho difícil lhe rende bem, mas só o serve para abastecer seus intermináveis sonhos de vaidade. Agora Geisa abriga Marcos com os braços da maternidade, cedendo a filha e o seu próprio quarto.
Um comentário:
Rotina que se repete em muitas casas, que, ainda assim, aparentam uma felicidade constante que assusta.
Excelente texto, Gui!
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